sábado, 15 de agosto de 2015

INVIDEO

Eu invejo os que sorriem felizes
Os que sorriem infelizes também
Os que sorriem
Os que têm dentes para mostrar quando alguém os estimula
Eu invejo os alegres, insuportáveis
Eu invejo a poesia da vida dos que vivem bem
Eu invejo quem não tem hora para demostrar felicidade.
Eu invejo quem tem amigos de verdade
Eu invejo quem se aproxima dos outros sem se ferir
Eu invejo quem tem e quem não tem motivo para ser feliz
E é feliz

quarta-feira, 29 de julho de 2015

GOIANÉSIA


Eu me lembro do nosso primeiro encontro, eu me entendendo por gente
Havia um supermercado, havia minha tia trabalhando nele, havia Toblerone
Havia um córrego, uma subida inacreditável na Avenida Brasil
Havia a Pedage de meus avós mais pobres ainda
(Porque os outros eram só mais pobres)
A venda
A paineira
Daí uma estrada de Terra, a casa onde morava
E a casa de meus avós mais pobres
E a gente lá
Lembro-me de um dia de chuva
De passear no jeep do Tio Manoel
Lembro-me, depois de andar pela cidade
De entendê-la como se entende um plano cartesiano
De andar nas suas avenidas com nome de Estados, como quem descobre valores de y em função de x
De decorar itinerários, mudá-los, obcecar-me por eles e sentir-me bem só de passar por eles
Ou de evitá-los para sempre
Eu me lembro quando resolvemos nos descombinar
Deixamos de ser habitante e habitação
Deixamos de ser um do outro
Deixei de ser seu, deixou se ser minha
Arranquei-me de si
Não deixei nem uma raiz sequer
Nove meses (o tempo de gestar a compreensão das coisas) voltei
As ruas já não eram mais as mesmas
Nunca mais
Nunca mais foi a mesma
Perdi-me completamente de si, civitas
Não me acho em si nunca mais
Todas as vezes em que eu volto, fico dentro de casa
A estranhar a terra que me é mais habitual e comum do que qualquer outra
Mas que é estranhamente nova
Ainda que conserve suas belezas
Suas ruas retilíneas e largas
Suas suaves colinas
Sua planta cortada pelos seus córregos
Sua célere descida na bicicleta, sua subida a empurrá-la, sem coragem
Seu fundo de vale, suas casas grandes, frias, de cimento vermelho queimado
Suas montanhas ali, ao lado, altas, mais de mil metros acima do nível do mar
Suas tardes ventosas, a empurrar nossas bicicletas para trás
Suas torres eclesiais concorrentes, seu único prédio, seu junho friorento
Seu calor equatorial em janeiro
Desértico em agosto
Fogo no mato
Fogo na serra
Fogo nos quintais
O morro da Ema, primordial, arqueozoico
(Ainda o imagino levantando do solo e correndo em largas pernas atrás do sol
Levantando seu pescoço e revelando seu bico de ave magistral americana)
Seus canaviais a nos chover folhas carboretadas o dia inteiro sobre o vale
O vale
A Princesa do Vale de águas verdes, contaminadas, depois limpas, depois sujas de novo
Mas sempre água
A joia do Vale do São Patrício, mesmo que esteja muito longe desse rio
(Nossas águas caem no Rio das Almas por sua jusante, o outro está à sua montante)
Suas árvores, seus quintais, lotes grandes, invadidos pouco a pouco
Pela necessidade da multiplicação dos lares
Goianésia das mangueiras fartas
Goianésia que corre o risco de ficar sem abelhas por causa do veneno que joga nas lavouras
Mas que mana leite e açúcar cristal
E cujo álcool pode incendiar o vale inteiro, correndo nos seus ribeirões, córregos, represas e lagoas
Goianésia do Ribeirão Anda Só a dar-lhe de beber sofrendo dores de extinção
Do Ribeirão das Laranjeiras e sua água turva
Das suas centenas de represas, pisoteadas por vacas, bois e bezerros
Goianésia, amarela de Brachiaria seca na época da estiagem
Saibro, terra, água, serra, rocha, morro, lama
Lodaçal
Ricaços, pobretões, histórias caladas, silenciadas de pobres que morrem por terra
Mineiros de Araguary pioneiros
Terra de gente que veio de fora
Pós-guerra
Bernardo Sayão e sua marcha noroeste
Terra adotada por Dona Fiíca e seu impronunciável nome Berchiolina
Terra de Zezinho, Joãzinho, Zica, Dilurdes, Aninha, Tonheco, Tataca, Mariinha, Bia, Joca 
E outros diminutivos
Terra diminuta
Povo diminuto
Povo pobre
Povo de raça
Povo insistente
Povo emergente
À sombra de sua meia dúzia de grandes
Terra sazonal
A olhar o horizonte e esperar pela benesse de mais uma safra
Terra
Calcárea
Pedra nos rins de seus filhos mais sensíveis
Terra dura
Quem é fraco morre
De câncer de seus venenos a chover sobre as folhas que trarão riquezas
De esquecimento de sua geração que ainda emigra
De dor por essa terra ser tão dura
Mesmo quando cortada pelas máquinas agrícolas americanas mais modernas
É terra
Solo
Necessita de correção
Tarefa da qual eu me abdiquei
Para sempre


terça-feira, 28 de julho de 2015

BRASILIA

BRASÍLIA

A catatonia e o estarrecimento me tomam toda vez que eu preciso pousar meus olhos sobre Brasília
De perto, sua organização, sua ordem se esvaem num halo branco de luz intensa,
E numa imensidão que sobrecarrega as minhas retinas,
Depois de pousar meus olhos sobre Brasília, posso ficar sem olhar pelo resto da minha vida
Brasília levou-me embora os meus olhos,
Mais um momento ali, levar-me-ia tudo,
Tragado pelo vórtice sensorial que Brasília representa


Minha alma quase foi roubada por Brasília
Quase se perde na profusão dos seus espaços excessivamente amplos
O maior e mais inacreditável desperdício da capital da República
É o espaço que Brasília ocupa
São seus ecos, seus vagos, suas grandes extensões de grama amarelada, seca pela estiagem
Suas árvores retorcidas separando
Duas pistas de uma enorme avenida sem cruzamentos, esquinas
Brasília atômica: o espaço vazio entre suas partes ocupadas é a razão de seu volume
Brasília exclusivista: pensada, criada para o automóvel,
Branca,
Acinzentada,
Laminada,
Refletindo o azul cerúleo da imensidade do Planalto Central,
Nos vidros de suas construções alienígenas,
Brasília pós, hiper, ultramoderna,
Acima de qualquer esforço estético de existência,
Brasília da terra vermelha exposta, dos trilheiros a cortar suas áreas verdes queimadas pelo Sol,
Atalhos pedestres numa cidade que não respeita quem tem pés para andar.




Brasília, ontem ainda pensei nas suas ruas, nas suas distâncias, no cheiro de mijo da sua rodoviária.
Na descortesia de seus habitantes
Na distância entre os corações candangos, brasilienses, nordestinos
Nas asas de Ísis, na Fênix a mirar o sol nascente.
Ainda ontem pensei que estava aí, preso na rede de seus espaços vazios,
Na nulidade de seus exageros,



Na impossibilidade de seus espaços imensos, de seus ecos surdos grandiloquentes.

sábado, 25 de outubro de 2014

QUINTALESCO

Para mim, o quintal perfeito, ideal, seria aquele em que se coubesse um enorme, magnífico, africano, vibrante e frondoso flamboyant. O quintal perfeito teria lugar para minhas cachorrinhas correrem, haveria terra fofa para meus gatinhos fazerem suas necessidades fisiológicas sem eu ter que limpá-las. Um lugar para eu estar. Nada de verduras, horta, nada que o sol queime, nada que a chuva estrague ou que eu tenha que cuidar. Eu quero muitas flores. O quintal perfeito, para mim, seria aquele em que eu pudesse plantar um litro de sementes de girassol e pudesse colher uma braçada dessas flores magníficas todo dia, o quintal perfeito seria aquele em que eu pudesse ter um pé de cada fruta da minha infância: laranjas, tangerinas, mangas, jambo, amora, pitanga, abacate, tamarindo. O quintal perfeito seria aquele em que eu pudesse existir nele um pouquinho todo dia, que me fizesse ouvir o desespero das cigarras antes das chuvas, que me fizesse ter de salvar um sapo de vez em quando, que me deixasse ter, caso eu desistisse das flores, algumas galinhas. Para mim, o quintal perfeito seria aquele microcosmo quase rural mas exatamente urbano, de um lote que atravessasse a quadra, que tivesse um portão para a outra rua, a rua dos fundos, que me proporcionasse mais de uma opção para entrar na casa. Eu prefiro um quintal mais baixo do que o nível da rua, para ter a impressão real de descer para ele, sempre. Eu acho que um quintal perfeito tem de ter pés de limão e pimentas. É triste ter um quintal em casa e ter de comprar no supermercado ou frutaria, limão e pimenta. Para mim, o quintal perfeito é aquele em que eu pudesse sumir para o fundo dele e ficar lá a tarde inteira, sem saber que eu poderia estar dentro de mim, mexendo nas minhas plantas internas, olhando meus bichos mentais, colhendo minhas flores e frutas do imaginário.

POLIXICAMENTE CORRETO

Eu levo o meu lixo comigo
Dentro da minha mente
Dentro da minha boca
Dentro do meu coração
Dentro da minha vida
Dentro da minha agenda
Dentro dos meus livros prediletos
Dentro das revistas que leio
Dentro das minhas gavetas
Dentro das minhas fotos
Dentro da minha alma
Dentro do tutano dos meus ossos
Dentro do código de meu DNA
Dentro dos meus olhos tortos
Dentro do meu telefone celular
Dentro dos meus cadernos rabiscados
Dentro das dobras da barra da minha calça
Dentro dos meus bolsos
Dentro da minha carteira
Dentro do meu tuíter
Dentro do meu feicebuque

Até encontrar uma lixeira

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SEM TÍTULO

A vontade foi arrancar-lhe
A verdade pela garganta,
Enfiando-lhe os meus dedos
Puxando-a direto de suas pregas vocais
Para que ela não se escondesse entre seus dentes sujos.

Eu queria que dissesse a verdade,
Sob tortura mesmo, já que perguntar não adianta.
Queria que me dissesse o quanto me odeia,
Mas você continua a dizer as coisas do modo como sempre diz:
Mentindo.

A vontade foi lhe socar o estômago
Até que vomitasse o que tinha a dizer
Chutar-lhe a barriga até que, junto com o sangue
Aquele que você fez brotar em mim
Com suas mentiras.

A vontade foi extirpar-lhe uma a uma
Suas unhas cheias da merda que sai da sua bunda
Arrancá-las e fazê-lo comer, uma a uma,
Pedaço a pedaço até que se sufocasse e morresse,
Enfim.

A vontade foi lavar-lhe a cara suja
Com soda cáustica.
Essa cara suja das bundas azedas,
Que você passa os dias e as noites lambendo
Pensando que alguém um dia vai se lembrar
Que tenha, de alguma forma,
Peidado-lhe na cara, fazendo-lhe o favor
De deixar-lhe cheirar as tripas.

A vontade foi arrancar seus cabelos,
Quebrar-lhe os dedos
Emudecer-lhe cortando a sua língua
Para não ouvir mais a sua fala nojenta,
Bajulando gente que não gosta de você,
Que não lhe respeita de verdade.

Todo o mal que lhe desejo ainda parece ser pouco,
Pouco para a sua sede de humilhações,
Para o quanto você é capaz de se abaixar
Por tão pouco,
Por atenção de gente infinitamente mais baixa que você,
Por companhia para beber a bebida que você vai deixar fiado,
Por passar o dia inteiro se embebedando,
Principalmente de lixo que vem das conversas,
Fofocas alheias,
Da sujeira das ruas,
Do dióxido de carbono dos carros a passar,
Das maledicências,
Das quais você também é vítima, mas acha que não é,
Por estar no grupo daqueles que falam, em pé entre eles
Sempre com esse sorriso forçado pelo álcool
Sorriso fácil, vazio
Insignificante.

A vontade é lhe enfiar uma garrafa abaixo,
Quebrada,
Cacos, tampa de metal,
Rótulo de papel,
O copo seboso que anda entre seus dedos,
O cheiro de roupa suja que você exala
O bafo azedo desse mijo que você ingere
Comprado com o nome de cerveja.

A vontade é acordar uma hora dessas com a notícia de sua morte.
Mas eu sei que seu corpo é fechado.
Bala, faca, língua, nada entra nele,
Para falar a verdade, você tem tentado todo dia se matar aos poucos,
Mas a saúde parece ter preguiça de ir de seu corpo.
Uma coisa aqui, outra ali, e você vem mais forte do que antes.

Como me livrar de você?
O que eu posso fazer para me livrar de você?
Eu gostaria tanto de dizer que eu te amo, pelo menos,
Mas não amo. E nem você me ama.
Mas amor não é solúvel em álcool, já sabemos disso,
Não se engarrafa,
Não se vende gelado.
O que eu posso oferecer?

A sua sorte é o fato de eu ser covarde,
Enraizado, endividado,
Dependente.
Se não fosse isso,

Fugiria daqui sem lhe dar um mínimo de satisfação.

AIS

Quando penso nos dias em que vivo,
O quanto falta para os meus momentos finais,
Mal eu fico, de meus pensamentos cativo,
A contar os dias, horas minutos de meus ais.

Não sei o quanto ainda estarei nesse mundo,
Pouco me importa o quanto ainda falta viver,
Pouco me importa se estou são ou moribundo,
Não sei o quando ainda me resta sofrer.

Como num romântico e vazio poema,
Lamento triste o tédio do viver meus ais,
Como se eu vivesse um real dilema,
Como se eu sofresse dores mortais

Finjo a desgraça que seria mui bela
Aos olhos de quem olhar essas letras vazias,
A minha vida é tediosa, mas não é aquela
Que eu desejo, restam-me as minhas azias.

De sorte que canto o vazio da vida
Boba, fútil, oca, estéril e estranha
Vazio de tédio, da enfadonha lida,
Cheia de ais, uis, frescuras e manha.